Não foi por vontade própria que Clemente José de
Matos voltou mais uma vez à Europa em meados do século XVII, época em que tal
viagem ainda representava grande risco. Havia retornado de Coimbra não fazia
muito tempo, trazendo em sua bagagem o título de bacharel em Direito, e iniciado
a carreira de advogado na cidade do Rio de Janeiro. Segundo dizem, envolveu-se
em escândalos amorosos, e, perseguido pela Inquisição, voltou às pressas ao
Velho Continente. Foi direto à Roma, se ajoelhou perante o Papa e conseguiu o
perdão, sendo, além disso, ordenado padre, voltando tempos depois ao
Rio.
Homem de grande competência e conhecimento, o
agora Padre Clemente de Matos também pertencia a família importante, pois seu
avô, capitão Antônio Martins de Palma, havia construído a ermida de N.Sª da
Candelária, origem do templo atual, e amealhou várias propriedades durante sua
vida. O Padre Clemente herdou uma delas, uma enorme área que incluía quase todo
o atual bairro de Botafogo, que foi chamada de Quinta de São Clemente.
Um bonde da
Cia. Ferro-Carril do Jardim Botânico passa pela
tranquila
rua São Clemente de cem anos atrás. O nome da rua
é a lembrança
de uma capela do século XVII que não mais
existe
Lá foi construída em 1685 uma capela dedicada a
São Clemente, existindo um caminho dentro da propriedade que ia desde a praia
até ela. Falecendo o padre Clemente em 1702, a grande quinta foi sendo
progressivamente dividida pela partilha entre herdeiros, além da venda a
terceiros, como Pedro Fernandes Braga e o oleiro Francisco de Araújo Pereira,
dono da chácara da Olaria, vendida posteriormente a Joaquim Marques Batista de
Leão, o velho, cuja lembrança persiste no Largo dos Leões, no Humaitá. O terreno
da chácara da Olaria se estendia até a lagoa Rodrigo de Freitas.
Em 1801, um dos últimos vice-reis do Brasil, D.
Fernando José de Portugal, solicitou aos herdeiros que cedessem para uso público
o caminho que dava acesso à capela, para que se pudesse ter uma comunicação mais
direta com a Lagoa, bem melhor que aquela que acompanhava o rio Berquó, onde é a
atual rua General Polidoro. Houve concordância, e assim nasceu a rua São
Clemente.
Originalmente, o nome da rua abrangia a extensão
que ia da praia até a Lagoa, mas a partir de 1868, o trecho do Largo dos Leões
até o final passou a se chamar Rua do Humaitá, em lembrança do famoso episódio
da Guerra do Paraguai; o trecho principal também sofreu as tradicionais
ingerências políticas, tendo seu nome mudado para Raul Pompéia em 1895 e Rui
Barbosa em 1917, para voltar à denominação original em 1922, que persiste até
hoje.
Como a capela do padre Clemente, construída há
quase 250 anos e reedificada em 1772, e que se localizava no antigo número 110,
já desapareceu, o nome de São Clemente é a única ligação restante com uma
história envolvendo paixões humanas e devoção religiosa no século XVII, que
acabaria por definir a evolução do conhecido bairro de Botafogo.
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