Durante milhares de anos, e ainda hoje em muitos
países do mundo, o mercado continua sendo o centro da vida da maioria das
cidades, onde se obtém todo tipo de gênero, desde alimentos até utensílios
domésticos, roupa, e tudo o mais. Em vários centros africanos, as feiras ao ar
livre em sua grande agitação transformam-se no turbilhão das trocas sociais,
pelo menos para a maioria, como genuíno motor da economia, distante da
tradicional corrupção das elites desse continente.
Esse acontecimento, o mercado, que pode ser
diário, semanal ou com outra freqüência, também esteve presente por séculos no
Rio de Janeiro, práticamente desde sua fundação, e mais particularmente a partir
do momento em que a cidade começou a se expandir na várzea que ia desde o
Castelo até São Bento, no início do século XVII.
O velho
mercado de Grandjean de Montigny na Praça XV no início do século
passado.
No centro estão os pavilhões metálicos junto à
rampa onde os barcos descarregavam.
O chafariz à esquerda foi colocado no
lugar do Monroe, na Cinelândia, também destruído.
Já em 1636, a Câmara havia delimitado uma área
onde os pescadores poderiam vender suas mercadorias, entre a Praça XV e a atual
Rua da Alfândega, no trecho chamado de Praia do Peixe. A região tornou-se o
centro comercial, com a presença de vendedores com todo tipo de hortaliças,
vindas por mar de vários pontos do litoral da baía de Guanabara. As pobres e
sujas barracas continuaram abastecendo a cidade por quase dois séculos, com a
única mudança ocorrendo durante o governo do vice-rei D. Luís de Vasconcellos,
que aproveitou a reforma feita no Largo do Paço (Praça XV), com calçamento e
mudança do chafariz, para melhorar a situação das barracas de venda de peixe,
dando alguma organização ao caos reinante.
Para a época colonial, tal situação era
completamente satisfatória, mas após a chegada da Côrte, em 1808, tornou-se cada
vez mais incômoda. Após a Independência, e já no segundo Império, tornou-se
intolerável. A presença dessa confusão e imundície no centro da capital era
incompatível com as aspirações de progresso e auto-estima da sociedade da época.
Algo precisava ser feito.
Em 1834, a Câmara resolve construir um novo
mercado, e entrega o projeto aos cuidados de Grandjean de Montigny, arquiteto
francês que veio ao Brasil na Missão Artística Francesa de 1816. A planta feita
pelo mestre mostrava um edifício quadrangular de dois andares com quatro
entradas, uma delas pelo Largo do Paço. O projeto original incluía dois andares,
mas no estágio inicial foi feito sómente o térreo, a parte superior foi adiada.
O piso do mercado era de lajes de pedra, e em seu centro havia um belo chafariz,
formado por uma bacia circular e tendo uma parte central de onde a água saía
pela boca de quatro golfinhos, se projetando a partir daí uma pirâmide encimada
por um ouriço de bronze.
O belo
chafariz do mercado, em desenho do século XIX. Desapareceu junto
com
o prédio.
Os dois trechos que davam para o Largo do Paço
foram concluídos em 1835, e o restante em 1841. Em 1869, a Câmara decidiu
arrendar o mercado a um particular, e dentre as obrigações deste constavam a
construção de um segundo pavimento sobre os já existentes e mais dois pavilhões
de metal entre o mercado e o mar, onde os barcos descarregavam os gêneros. Esses
pavilhões sofreram incêndios duas vezes, em 1876 e 1899.
No final do século XIX, a Prefeitura optou por
novo mercado na Praia D. Manuel, cuja inauguração aconteceu em 1907, causando,
quatro anos depois, a demolição do mercado de Grandjean de Montigny. Hoje, todos
dois mercados foram destruídos, sendo que nenhum deles conseguiu completar
sequer 100 anos de existência. Duas obras históricamente importantes que
poderiam ter sido conservadas e transformadas em centros comerciais e culturais
modernos, ainda que conservando sua aparência original, tal como aconteceu em
várias cidades européias, onde a valorização do patrimônio e do ambiente urbano
é uma constante.
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