Principal ícone do bairro, Igreja da Glória volta à sua época de ouro
Restauro da construção devolverá parcialmente o tom dourado da talha do altar-mor e dos dois altares laterais
A talha do altar-mor emoldura a imagem de Nossa Senhora da Glória do Outeiro
Pedro Kirilos / Agência O Globo
RIO - A Igreja da Glória vai passar por um importante restauro no momento de
revitalização do bairro do qual é o principal ícone. E essa reconstituição é tão
importante que, na última quinta-feira, um seminário com arquitetos,
restauradores, historiadores da arte e integrantes do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e da Irmandade Imperial da Glória
discutiu o destino da talha no interior da edificação religiosa. A partir daí,
pôde-se desvendar um pouco da história do prédio instalado no topo do outeiro na
primeira metade do século XVIII, formando um conjunto de relevo e arquitetura
que o carioca talvez não tenha se dado conta que é tão importante quanto o do
Corcovado e do Cristo Redentor.
Atualmente, a talha do altar-mor e dos dois altares laterais tem sua madeira
crua, sem qualquer douramento. A Irmandade da Glória, então, quis ouvir
especialistas para saber se a mantém assim, faz um douramento total ou se faz um
douramento parcial, deixando fundos brancos, mais leves.
— Ao fim de oito horas de debate, a Irmandade percebeu que a maioria dos
palestrantes gostaria de ver a talha com douramento parcial, no estilo rococó.
Agora, vamos precisar da aprovação do Iphan — disse o provedor da irmandade,
Ronaldo Goytaz Cavalheiro.
A discussão sobre a talha é antiga. O arquiteto Luciano Cavalcanti de
Albuquerque lembra que, em 1940, o então Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Sphan) tinha como presidente Rodrigo Melo Franco de Andrade
. Na época, Melo Franco se aconselhou sobre a talha da igreja com o arquiteto
Lúcio Costa, pioneiro da arquitetura moderna no Brasil.
— Lúcio Costa defendeu então a retirada do douramento não por ser contra, mas
por considerar o ouro utilizado de má qualidade. Ao ver como ficou a madeira sem
nada, Lúcio gostou do efeito visual.
Desde então, a talha dos altares não tem qualquer douramento. Em 1942, porém,
o poeta Manuel Bandeira publicou artigo protestando contra a retirada do
douramento.
Azulejos vieram de Portugal
De planta poligonal, a arquitetura da igreja, segundo o arquiteto e
historiador Nireu Cavalcanti, tem estilo barroco em seu exterior. Já o interior
da igreja, com as mudanças feitas ao longo do tempo, apresenta o estilo rococó,
bem mais simples do que o estilo barroco, no qual o douramento das talhas era
total. O recurso visual buscava acentuar o poder da Igreja Católica após a
contrarreforma, como explica a historiadora da arte Myriam Ribeiro no livro “O
barroco e o rococó nas Igrejas do Rio”, escrito em parceria com Fátima Justiano.
Na obra, as autoras explicam que o rococó surgiu na França no reinado de Luiz
XV, em meados do século XVIII. Há documentos históricos comprovando que a Igreja
da Glória já estava em atividade em 1739, mas ainda não se sabe ao certo o ano
da inauguração. O primeiro douramento ocorreu na segunda metade do século XVIII,
sob a influência do estilo francês. Apaixonada pela igreja, Myriam vai além da
análise do interior do prédio.
— As três portadas da fachada são em pedra de lioz. Esse material veio em
navios portugueses como lastro e, como era pesado, não chegou às igrejas
mineiras, já que era impossível transportá-lo nas estradas da época. Em Minas,
usou-se então material semelhante à pedra de lioz, a pedra sabão — diz Myriam,
lembrando que os azulejos também vieram em navios portugueses.
Estudiosa da azulejaria portuguesa, a arquiteta Dora Alcântara detalha os
exemplares da Igreja da Glória:
— Os painéis de azulejos da nave são do segundo quarto do século XVIII. É um
tipo de produção do período joanino (dom João V) entre 1725 e 1750.
Historiadores de Portugal atribuem esses painéis ao pintor português Valentim de
Almeida. Os demais painéis (da capela-mor, da sacristia, dos corredores e do
coro alto) são da mesma época, mas de autoria desconhecida. Todos têm muita boa
qualidade.
O arquiteto Lúcio Costa talvez tenha sido o admirador mais ilustre da Igreja
da Glória. Luciano Cavalcanti conta que, nos anos 1960, ele projetou a rampa em
ziguezague até o templo, começando pela Rua do Russel. Hoje, o belo caminho
carece de reforma.
— A Igreja da Glória revela belos ângulos de diferentes pontos do bairro.
Desde o século XVIII, talvez tenha sido uma das edificações mais vistas em
pinturas históricas — diz Luciano.
O cartão-postal tantas vezes retratado guarda também a imagem da primeira
capela construída no outeiro no século XVII. Como conta Nireu Cavalcanti, quem
olha para o teto da sacristia se depara com uma pintura da construção
original.
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