08/12/2009 - 12:03 Enviado por: Paulo Pacini
As diversas igrejas barrocas do Rio de Janeiro são um testemunho vivo de uma época na qual a devoção religiosa ocupava lugar de destaque na existência das pessoas, talvez por ser um dos poucos canais legítimos através do qual sentimentos e paixões coletivas podiam ser extravasados.
Dentre os templos mais antigos, há um cuja origem foi retratada até mesmo de forma romanceada, destacando-se dos demais.
Em seu livro "O Ermitão da Glória", José de Alencar nos introduz ao universo do século XVII carioca, onde a pirataria era uma das ocupações mais freqüentes, seja por parte de ingleses, holandeses ou franceses que, após terem sido expulsos da Guanabara, ainda tinham uma base de operações em Cabo Frio, dedicada ao contrabando de pau-brasil. Além disso, até mesmo os colonos portugueses aderiram ao corso, atacando e saqueando navios estrangeiros.
O protagonista do romance, Aires de Lucena, ao atacar um navio francês, acaba por assassinar os pais de uma menina, a qual ele salva e encarrega um amigo de criar.
A filha adotiva, Maria da Glória, cresce, e Aires desenvolve uma paixão carnal e psicológicamente quase incestuosa pela moça, colocando-se contra uma interdição divina.
O frustrado herói sublima então seus impulsos, construindo uma ermida dedicada à N. Sª da Glória, a qual originou o templo atual.
Igreja da Glória do Outeiro, verdadeiro ícone carioca, em 1920
A realidade, por outro lado, embora não sendo tão floreada, tem aspectos históricos interessantes.
Tudo começa em meados do século XVII, quando Antônio Caminha chega no Rio de Portugal. Sujeito estranho, andava vestido de frade e gostava de realizar suas adorações religiosas em lugares ermos.
Não podia ser chamado de eremita, pois, na verdade, tinha família e filhos.
Por outro lado, era escultor excepcional, e entalhou uma imagem de N.Sª da Glória de grande tamanho, colocando-a em 1671 numa ermida de taipa no alto do morro que havia no começo da praia do Flamengo, antiga uruçumirim, local da batalha final com os franceses, em 1567.
O arremedo de templo teve uma freqüência crescente, tornando-se cada vez mais popular, o que fez com que o Dr. Cláudio Gurgel do Amaral, proprietário das terras, as doasse em 1699 para a irmandade responsável pelo culto.
Isso feito, o velho Caminha iniciou a construção de uma igreja de verdade, de pedra e cal, obra que só seria concluída em 1739, e que chegou até nossos dias.No século XIX, a igreja de N.Sª da Glória do Outeiro se tornou a favorita da família real, depois da chegada da côrte portuguesa, tradição iniciada por D. João VI e que continuou durante o Império.
Várias cerimônias de gala foram realizadas neste templo, e, em 1849, D. Pedro II concede o título de Imperial à irmandade, ainda presente atualmente.
Com bela arquitetura e localização excepcional, esta igreja se tornou um dos ícones da cidade do Rio ao longo dos séculos, tanto como referência visual em inúmeros livros e obras de arte quanto como lugar de culto, cujo passado se confunde com lendas e mistérios do tempo dos primeiros povoadores da terra carioca.
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