Elogio ao Sobrado
02/01/2011 - 20:10
Enviado por: Paulo Pacini
JB
O conceito de cultura possui grande número de definições, e é dos mais importantes para a compreensão da especificidade de uma comunidade.
A natureza gregária do homem levou à criação de cidades, e estas tornaram-se fundamentais em seu desenvolvimento, tornando-se uma das maiores conquistas.
Desde então, sua evolução espiritual se entrelaçou com este cenário, criando paginas únicas da aventura humana.
Na história da civilização brasileira, a casa ocupa lugar de destaque enquanto elemento cultural.
Partindo de formas básicas de abrigo, sua transformação testemunha mudanças seculares nas relações sociais, e a paulatina aglutinação de uma nacionalidade.
Dentre as várias encarnações da morada brasileira, o sobrado tem grande importância, por ser a habitação mais comum nas cidades ao longo do tempo.
Tema da obra Sobrados e Mucambos, de Gilberto Freyre, adaptou-se a diversas condições e materiais, e serviu a diferentes classes.
Belo sobrado na rua Senador Pompeu, já desaparecido (Foto: Ronald Murly)
No Rio, abundantes jazidas de pedra tornaram esta a matéria-prima por excelência, junto com a madeira.
Os terrenos, contudo, em sua maioria tinham pequena testada e grande profundidade, e janelas pequenas dificultavam a ventilação interna.
Apesar disso, durante a colônia os sobrados eram geralmente ocupados pelos mais ricos.
A chegada de D. João e sua côrte em 1808 trouxe novos hábitos, como a influência das residências inglesas com amplos terrenos e jardins, que os abastados não tardaram em adotar.
O sobrado paulatinamente perdia a clientela nobre para mansões e solares, mas tornou-se a residência urbana por excelência.
Mudanças de hábitos e códigos de obras favoreceram a construção de imóveis com boa ventilação e luminosidade, a partir das últimas décadas do século XIX.
A maior parte do conjunto histórico atual é deste período, imóveis de dois a quatro andares, agradáveis à vista e parte da paisagem cotidiana.
Este patrimônio discreto, obra de mestres anônimos em sua arte, é em verdade um dos pilares da tradição carioca e suas ruas, criando uma familiaridade visual e existencial, e ligando-nos com um passado talvez mais humano.
Sobre esse velho companheiro, contudo, pairam ameaças permanentes, especialmente agora, com a especulação imobiliária em alta.
Incêndios misteriosos no centro devoram vários imóveis, que renascem — adivinhem só — como estacionamentos.
Os sobrados são parte vital do patrimônio cultural carioca, e uma ação mais decisiva das autoridades seria fundamental, como a supressão dos estacionamentos no centro histórico, pois sempre que um desses imóveis desaparece, é um pedaço da alma carioca e sua história que também se vai.
Para sempre.
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