Um dos fatores que afeta mais profundamente a vida atual é sem dúvida a alimentação, produzida em fábricas como qualquer outro bem de consumo. Cada vez mais se encontram evidências dos malefícios à saúde causados pela infinidade de produtos químicos, para cujo emprego as empresas recebem carta branca de administradores governamentais corruptos. Usando como pretexto sua missão (leia-se lucros) no "combate à fome", pelo aumento da produtividade, têm seus ganhos multiplicados pela venda de uma enormidade de produtos tóxicos, como inseticidas, formicidas, fungicidas, além da modificação genética das sementes — o pior exemplo é o milho — para resistir aos produtos químicos de controle de pragas que a mesma empresa vende.
Mas nem sempre foi assim. Há mais de cem anos, quando ainda nem se sonhava com inseticidas e muito menos manipulação genética, todos alimentos eram do tipo chamado hoje de "orgânico" ou "natural", pois era a única maneira de cultivá-los. No Rio de Janeiro de 1900, onde o comércio em lojas era composto principalmente por quitandas, as ruas eram percorridas por uma multidão de vendedores oferecendo todo tipo de mercadoria, com um pregão muitas vezes incômodo aos ouvidos.
Vendedor de aves do Rio de outrora: alimentação orgânica e natural na
mesa de nossos avós
O escritor Luiz Edmundo registrou em seu livro "O Rio de Janeiro do Meu tempo" vários flagrantes do movimentado comércio ambulante da época.
O português vendedor de perus tangia suas aves pela rua gritando:
— Olha ôôô prú uuu da roda vô ôôô a!
O vendedor de peixe, italiano: — Pixe camaró... Ulha a sardenha!
O turco vendedor de fósforos: — Fófo barato, Fófo, fófo!
O comprador de metais, hoje passando em uma Kombi, cujo slogan não mudou muito: — Chuuumbo, féeero, cama velha, metal velho para vender!
Dentre a multidão de ambulantes — porque andavam de verdade, não como hoje, quando "ambulantes" colocam uma barraca no meio da rua atrapalhando a circulação — estava o vendedor de aves, que passava com galinhas, patos, pombos e outros, algumas vezes a pé, levando os animais em cestos, outras vezes acompanhado de um servil burro ou cavalo transportando o fardo. As cozinhas de nossas avós ou bisavós eram abastecidas com suas aves, as mais frescas, porque vivas.
Muito se passou desde então. As ruas não pertencem mais às pessoas, e sim aos automóveis e outros veículos, ameaça permanente à segurança e tremenda fonte de poluição atmosférica, com efeitos nefastos à saúde. À algazarra dos vendedores, tão criticada pelos intelectuais do passado, vista como um atraso, se sucedeu o barulho dos motores e buzinas, em uma troca no mínimo questionável.
As galinhas antigas foram substituídas por tipos manipulados geneticamente, cujo consumo introduz no corpo do consumidor um sem número de produtos tóxicos, como antibióticos e hormônios, só para citar alguns. O vendedor foi substituído pela prateleira do supermercado, onde a mercadoria é tornada mais atraente pelo uso de corantes e iluminação.
A imagem do vendedor de aves do Rio de antigamente pode parecer nostálgica e lembrar uma era de muitas limitações, como a ausência da refrigeração, mas também representa um modo de vida em muitos aspectos muito mais sadio, como cada vez mais se constata hoje em dia. Suas características são cada vez mais procuradas, como o consumo de ítens produzidos localmente e o uso de meios de controle naturais, seja na agricultura ou criação de animais. Visto sob esse prisma representa uma época que ainda tinha, por força das circunstâncias, uma sabedoria bem maior a respeito do que é saudável, perdida durante o século XX.
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