A pedido da prefeitura, CPDOC da FGV explicará nas placas os nomes das ruas do Rio
Ilustres desconhecidos nas esquinas, nunca mais
RIO - A Rua da Quitanda já se chamou “do Açougue Velho” e “João Alfredo”.
Teve trechos conhecidos como Canto dos Meirinhos e dos Tabaqueiros, mas foi uma
mercearia de esquina, que vendia mariscos e outras comidas, que lhe deu o nome
definitivo. Nos livros sobre o Rio de Janeiro, é possível saber outros detalhes
da história da Quitanda. Difícil será resumir tudo isso em 140 caracteres, um
verdadeiro "twitter" das ruas cariocas.
Desde março, a pedido do Arquivo da Cidade, o Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio
Vargas está levantando a história e revisando a identificação de mais de cinco
mil ruas do Rio. Até outubro, a equipe encarregada do projeto “Placas do Rio”
terá de sintetizar o que descobriu de cada rua em textos de uma linha e meia
(140 caracteres), no máximo, que serão acrescentados às placas públicas.
Só então, os cariocas vão saber que a Quitanda era, originalmente, Rua da
Quitanda dos Mariscos, que o general Glicério nunca serviu ao Exército e que
Joaquim Nabuco foi um líder abolicionista e não apenas um dos fundadores da
Academia Brasileira de Letras, como hoje a sua placa o identifica. O texto
explicativo, disse o coordenador do projeto, Américo Freire, informará, quando
possível, as datas de nascimento e morte do personagem que dá o nome à rua; a
atividade exercida, os cargos públicos ocupados e tipo de premiação
recebida.
Desta forma, a placa da Avenida Afrânio de Melo Franco, no Leblon, ganhará o
seguinte complemento: "(1870-1943), deputado federal MG, embaixador na Liga das
Nações, ministro das Relações Exteriores". À Avenida Paulo de Frontin, será
acrescido “(1860-1933), engenheiro, senador, prefeito do DF, deputado federal”.
Já existem placas assim no Rio, mas a diretora do Arquivo da Cidade, Beatriz
Kushnir, reconheceu que algumas delas apresentam erros e precisam de
revisão:
—- Para resolver o problema, nada melhor do que o CPDOC, autor do Dicionário
Histórico e Biográfico Brasileiro.
Uma pesquisa rápida no GoogleMaps não localiza o nome “João do Rio” entre as
cinco mil ruas da cidade. Portanto, os pesquisadores não terão a chance de
identificar o jornalista e escritor cuja obra é fonte de inspiração para todo o
trabalho. Em “A alma encantadora das ruas”, lançado no início do século XX, João
do Rio escreveu: “A rua é a civilização da estrada. Onde morre o grande caminho
começa a rua, e, por isso, ela está para a grande cidade como a estrada está
para o mundo”.
A equipe do CPDOC pretende identificar até 800 placas por mês. Além do
Dicionário Histórico e Biográfico e outros dicionários da instituição, os
pesquisadores deverão recorrer ao próprio acervo do Arquivo da Cidade, onde as
ruas estão descritas em fichas datilografadas por um funcionário desconhecido.
Se as dúvidas persistirem, eles planejam recorrer aos atos originais de criação
das ruas.
— Há muitas datas comemorativas, como Treze de Maio, por exemplo. Essa é
fácil de identificar. Mas, Dois de Dezembro (nome de uma rua no Flamengo)?
Confesso que não faço a menor ideia do que ocorreu nesta data — admite o
professor Américo Freire.
O coordenador do projeto sempre achou que "General Glicério", rua de
Laranjeiras, era inspirada nas quatro estrelas da farda do militar. Mas
Francisco Glicério nunca pisou numa academia militar. Destacado líder
republicano do fim do século XIX, ele sempre foi civil e recebeu a distinção
como reconhecimento do governo provisório.
Pesquisa traça geografia política dos nomes
Se o cronista João do Rio dizia há mais de um século que as ruas têm almas
(“há ruas honestas, ruas ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, delicadas..”),
os pesquisadores do CPDOC acrescentam que as placas das ruas também incorporam a
história de suas cidades. Em se tratando da antiga capital, o alcance é ainda
maior: elas ajudam a contar a história do país.
Em um mês de trabalho, os pesquisadores de “Placas do Rio” já perceberam uma
concentração de “florianistas”, aliados de Floriano Peixoto, segundo presidente
do Brasil (1891-1894), e de barões, condes e viscondes, alguns deles expoentes
do ciclo do café no Segundo Reinado, batizando as ruas de áreas mais antigas da
cidade.
— Copacabana é mais republicana do que o Centro. Os engenheiros também estão
muito presentes. Na medida em que a pesquisa avance, vamos montar a geografia
política da cidade e identificar outras tendências — disse Américo.
O objetivo do Arquivo da Cidade, ao contratar o CPDOC, não é esgotar todo o
trabalho nos 140 caracteres de cada placa. Beatriz Kushnir, diretora da
instituição, prevê o lançamento no ano que vem de um portal com a identificação
completa das ruas, incluindo as fichas do acervo devidamente digitalizadas.
Beatriz, que também coordena a comissão carioca de nomeação de logradouros e
equipamentos públicos, disse que a pesquisa do CPDOC será repassada para uma
empresa especializada em confeccionar e substituir as placas existentes, cujo
contrato com a prefeitura foi firmado na gestão de Cesar Maia.
Ela disse que, hoje, o apelo político deixou de ser determinante da escolha
dos nomes de rua. Afirmou ainda que os nomes mais recentes submetidos à comissão
refletiram muito mais a memória cultural do que a elite dirigente. Uma das
últimas ruas inauguradas pela prefeitura, em Senador Camará, se chama
“Wando”.
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