Órgão do século XIX é interceptado pela Polícia Federal
03/09 às 08h44
O GLOBO
RIO - Peça de valor histórico, do século XIX, o órgão da Igreja Nossa Senhora do Carmo da antiga Sé, no Centro, primeira catedral da cidade, tombada pelo patrimônio histórico nacional, foi recuperado nesta sexta-feira por agentes da Polícia Federal na Rua Sacadura Cabral, enquanto era levado, desmontado, na carroceria de um caminhão.
O destino seria um galpão no bairro do Irajá, na Zona Norte.
O responsável pelo transporte, um empresário cujo nome não foi revelado, foi autuado e indiciado por apropriação indébita pelo delegado Fábio Scliar, chefe da Delegacia de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico da PF, na Praça Mauá.
- É um crime brutal. O órgão estava na carroceria do caminhão pegando chuva, desmontado e transportado sem os cuidados necessários. O responsável diz que o material seria levado para um galpão, mas tenho dúvidas. Na minha opinião, no mínimo o órgão seria usado em alguma barganha ou até vendido para algum antiquário - afirmou Scliar.
A descoberta da Polícia Federal acabou revelando uma história confusa e cheia de disputas, envolvendo de um lado o empresário e, do outro, a igreja, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Associação de Amigos da Antiga Sé (Samas).
Tudo teria começado depois que o governo federal, por meio do BNDES, aprovou a liberação de R$ 1,9 milhão para a restauração do órgão. O dinheiro seria gasto com a contratação de uma empresa e de um organeiro francês, que teria a missão de restaurar e transformar o instrumento no maior da América Latina.
- Teremos o maior órgão de tubos da América Latina, atraindo grandes organistas. Um instrumento com quatro mil tubos, transmissão digital, quatro teclados e uma pedaleira - afirmou o maestro Ricardo Tacuchian, responsável pelos concertos na igreja.
Para tocar o projeto, o empresário, segundo explicou o delegado Fábio Scliar, foi contratado e teria que providenciar as condições e ainda o visto de trabalho para a entrada do organeiro francês. Chegou a receber R$ 600 mil, mas não providenciou as condições. Até esta sexta, o francês estava no país com visto de turista.
- Trouxemos o órgão, o caminhão e todo mundo aqui para a Polícia Federal. Abri um inquérito e vou ouvir todos os envolvidos, chegando todas as informações prestadas. A história está mundo confusa - admitiu Scliar.
Pelo menos dois representantes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) estavam na sede da PF, mas não quiseram dar entrevistas. O pároco Roque Costa Souza, da Igreja Nossa Senhora do Carmo da antiga Sé, explicou que o órgão é uma peça de valor histórico inestimável:
- A história do instrumento e da igreja se misturam. Quando dom João, ainda príncipe regente, chegou ao Rio com a família real, ele deu especial atenção à música.
O maestro Tacuchian lembra que restaurar o órgão é acima de tudo prestar uma grande homenagem ao padre José Maurício Nunes Garcia, o maior autor de música sacra do país.
- Tivemos três grandes músicos clássicos: Carlos Gomes, com estilo romântico; Villa-Lobos, com seu estilo moderno, e o padre José Maurício. Então estamos prestando uma grande homenagem ao recuperar, com o órgão, a história musical da Igreja do Carmo - lembrou o maestro.
Nesta sexta, durante todo o dia, técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), sob orientações da equipe do organeiro francês - que não quis dar entrevistas -, trabalharam para transportar o órgão do caminhão em que foi apreendido para um veículo apropriado. Cada peça foi examinada, fotografada e levada com cuidado, embalada em plástico e material adequado.
- Até o inquérito terminar, o Iphan ficará como fiel depositário do instrumento. O importante é preservar o órgão histórico. Agora vamos analisar tudo com cuidado, conversando com todo mundo - explicou o delegado Scliar.
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