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quarta-feira, 25 de julho de 2012

A Casa de Machado


Dentre os fatos que marcaram a história do Rio de Janeiro, um dos mais peculiares é sua ligação com a França, acontecida desde os primórdios, quando, em 1555, chega na Guanabara uma esquadra comandada por Villegagnon com o intuito de instalar uma colônia, a futura França Antártica. Em uma ilha afastada do litoral construiu-se um forte, chamado de Coligny, em homenagem ao almirante de França e protetor da empreitada. A ilha, chamada até hoje de Villegagnon, está ligada ao continente há décadas, e é onde fica a Escola Naval.
 
A iniciativa não prosperou por acontecer durante o período das guerras de religião, quando católicos e protestantes se trucidavam contínuamente. O patrono da expedição, almirante Coligny, era protestante, e as oscilações de seu prestígio político não permitiram que fosse enviada uma segunda leva de colonos, dessa vez com milhares de pessoas. Além disso, os ódios religiosos também estavam presentes aqui, com brigas e desentendimentos que dividiram e enfraqueceram a colônia. Tudo facilitou a retomada das terras pelos portugueses, ocorrida em 1567, dando origem à história da cidade atual, desde sua instalação no Morro do Castelo.
 
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Prédio da França durante a Exposição de 1922,  foi doado à ABL no ano seguinte
O outro episódio conhecido da era colonial aconteceria em 1710 e 1711, quando invasões de piratas franceses causaram grande comoção entre os habitantes. A primeira, de 1710, feita por Duclerc, foi rechaçada, mas a segunda, de Duguay-Trouin em 1711, capturou a cidade, a qual teve de pagar vultoso resgate. Esses eventos fecharam ainda mais a colônia aos estrangeiros, mal que só desapareceria em 1808 com a vinda da côrte portuguesa e a abertura dos portos. Durante o século XIX estabeleceram-se relações amistosas entre os dois países, e a influência francesa progressivamente dominou toda a cultura, desde a moda até a filosofia, impondo-se como modelo de civilização ao qual todos almejavam.
 
Em 1922 seria comemorado o centenário da Independência, e para tal se planejava uma grande exposição universal, em proporções maiores que a de 1908. Dessa vez o local escolhido para o certame seria obtido às custas da destruição do Morro do Castelo, a verdadeira cidade original do Rio de Janeiro. Após seu arrasamento, grande parte da área foi ocupada por pavilhões, e o material obtido com o desmonte do morro também serviu para aterros e para criar a Avenida Beira-Mar. Em um dos trechos aterrados, próximo à igreja de Santa Luzia, naquela que seria futura Av. Pres. Wilson, a França montou seu pavilhão, construído em pouco mais de quatro meses.
 
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Petit Trianon em Versalhes (foto: Wikipedia)
Mas essa obra não era de arquitetura ordinária: o governo francês decidiu erigir nada menos que uma réplica do palácioPetit Trianon, situado no parque do Castelo de Versalhes, de longa e famosa história. Construído por Luís XV para sua amante, Mme. Pompadour, situava-se em meio a um jardim e uma granja com vários animais. Lá o rei podia espairecer em boa companhia, pois o pequeno palácio era bem mais agradável que o Grand Trianon de Luís XIV. O imóvel foi dado de presente a Maria Antonieta por Luís XVI, e foi nele que, em 1789, ela recebeu a notícia da insurreição, a qual a levaria à prisão e à guilhotina.
 
O belo prédio construído para a exposição chamou especialmente a atenção do Dr. Júlio Peixoto, que pleiteou junto ao embaixador francês sua doação à Academia Brasileira de Letras, após a conclusão do evento. Houve concordância por parte das autoridades francesas, e, em cerimônia no dia 15 de dezembro de 1923, foi realizada a entrega do prédio. Sua doação à ABL foi muito oportuna, pois esta se encontrava precáriamente acomodada no Silogeu, junto ao Passeio Público, onde o espaço era exíguo.
 
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Estátua de Machado de Assis na ABL, obra do
escultor Humberto Cozzo
 
A doação do pavilhão francês tornou-se dessa forma mais um momento importante em uma relação de mais de quatro séculos entre o Rio de Janeiro e a França, e de fato não poderia haver melhor destino para a réplica do prédio dos monarcas franceses que tornar-se sede da ABL, a casa de Machado de Assis, filho da terra e maior escritor brasileiro de todos os tempos.

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