Literatura
'Maldito Juscelino': diplomata passeia por 1.502 bairros do Rio em romance policial
Publicada em 29/05/2010 às 20h37m
Hugo Naidin
O GLOBO
RIO - "No terceiro dia, quando Campo dos Afonsos finalmente chegou, reconheceu sem dificuldade a senhora Vidigal.
A mulher abraçada a Honório Gurgel na fotografia à margem da piscina, e a acompanhante do capitão Bento Ribeiro no Casa Shopping e no Maracanã eram a mesma pessoa.
Naquele mesmo dia, Rocha telefonou a Vaz Lobo".
Em poucas linhas do livro "Maldito Juscelino", do diplomata e jornalista Pedro da Cunha e Menezes, oito referências a lugares do Rio que são, ao mesmo tempo, personagens e locações do romance.
Oito de exatas 1.502, distribuídas ao longo de uma história policial sobre os caminhos e descaminhos da cidade: a suspeita de um 'acerto de contas' após o estupro da mulher de um major; um capitão que alerta sobre uma invasão do morro ao chefe do tráfico; as ondas do Grumari; o sanduíche do Cervantes.
A mulher abraçada a Honório Gurgel na fotografia à margem da piscina, e a acompanhante do capitão Bento Ribeiro no Casa Shopping e no Maracanã eram a mesma pessoa.
Naquele mesmo dia, Rocha telefonou a Vaz Lobo".
Em poucas linhas do livro "Maldito Juscelino", do diplomata e jornalista Pedro da Cunha e Menezes, oito referências a lugares do Rio que são, ao mesmo tempo, personagens e locações do romance.
Oito de exatas 1.502, distribuídas ao longo de uma história policial sobre os caminhos e descaminhos da cidade: a suspeita de um 'acerto de contas' após o estupro da mulher de um major; um capitão que alerta sobre uma invasão do morro ao chefe do tráfico; as ondas do Grumari; o sanduíche do Cervantes.
Em pleno ano do cinquentenário de Brasília, um livro chamado "Maldito Juscelino", em capa vermelho-sangue, deve, no mínimo, se destacar nas prateleiras.
O autor garante que o lançamento, agora, é apenas uma feliz coincidência - embora também, admite, uma "provocação interessante".
O ataque ao presidente que tomou a capital do Rio é feito por um dos personagens, mas Pedro se apressa em dizer que não concorda com a afirmação:
- Colocar a culpa da decadência do Rio no JK é uma simplificação.
O Rio tem muita culpa própria.
Claro que o Rio deixou de ser o centro do poder, mas o problema foi que não soubemos lidar com isso.
São Paulo nunca foi capital.
Antes, porém, da discussão sobre culpa, o livro apresenta um Rio essencialmente multifacetado, não só do ponto de vista social como geográfico.
Montanhista e ex-comissário de bordo, Pedro da Cunha descreve com detalhes as trilhas do Alto da Boa Vista e a chegada de avião pelo Aeroporto Santos Dumont.
A natureza carioca é tão personagem quanto a corrupção policial e a disseminação das drogas.
Ao final, nem o próprio escritor - autor de outros 15 livros sobre o Rio, atualmente morando na Cidade do Cabo - sabe dizer se a beleza daquela compensa o flagelo destas.
- Sou daqueles que ainda acham o Rio a cidade maravilhosa.
A possibilidade de tomar um banho de cachoeira, olhar para cima e ver a Serra da Carioca brilhando atrás da Lagoa Rodrigo de Freitas é um baita prêmio.
Isso é um 'ativo' da cidade difícil de ser igualado em qualquer lugar do mundo, o que me deixa orgulhoso de ser carioca, apesar do esforço que temos feito para destruir tudo.
A pesquisa começou há vinte anos.
Com tempo livre e uma moto na garagem, Pedro comprou um guia Quatro Rodas, outro sobre os bens tombados da cidade, e pôs-se à empreitada particular de conhecer todos os bairros do Rio.
Não conseguiu, mas chegou aos honrosos 1502 endereços - entre bairros, favelas e locais de importância afetiva, como a escada do chileno Slarón, na Lapa, ou as Ilhas Cagarras.
Seu receio era de que, em meio a tantas referências contidas no livro, de modo mais ou menos explícito, a história em si ficasse em segundo plano.
Talvez por isso, os trechos sobre violência e polícia (e violência policial) tenham adquirido tintas tão carregadas.
Ambientado em 2001 - antes, portanto, da chegada das Unidades de Polícia Pacificadora -, "Maldito Juscelino" traz, em palavras ficcionais de oficiais da PM, comandantes do Bope, traficantes e usuários de drogas, a radiografia de uma cidade, ao contrário de Brasília, nada planejada.
"Sou um entusiasta das UPPs, elas são um passo no caminho certo, mas estão longe de ser a panaceia.
Como o próprio (secretário de Segurança, José Mariano) Beltrame diz, uma coisa é reduzir a violência, outra é acabar com o tráfico.
Cada vez que vou ao Rio me parece que a cidade tresanda a droga; as pessoas fumam maconha na praia, em festas, e falam sobre isso com naturalidade.
Ora, crime é aquilo que a sociedade repudia - e acho que no Rio a sociedade não repudia a droga.
Então precisamos discutir isso: como é possível implementar uma lei contra algo que é socialmente aceito?
Desde que sou criança vejo essa política do enfrentamento, que mata mais do que a doença; para cada pessoa que morre de overdose, dezenas morrem no combate ao tráfico.
Então me parece que o modelo está falido.
E a primeira coisa que se aprende numa escola militar é: guerra perdida você não luta".
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