primeiro plano
Em contexto: um estatuto que divide os cidadãos pela cor da pele
LEANDRO LOYOLA
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou no dia 20 de julho uma lei única na história do Brasil. Em mais de cinco séculos, desde a chegada dos colonizadores portugueses, o Brasil nunca teve uma lei que previsse tratamento diferente a seus cidadãos de acordo com sua raça. Agora tem. O nome dela é Estatuto da Igualdade Racial. O texto foi sancionado pelo presidente Lula após sua aprovação pelo Senado, no mês passado.
Entre outros pontos, o estatuto estabelece a adoção de ações afirmativas para reduzir as desigualdades entre as etnias. Ele foi debatido durante dez anos. Foi aprovado pelo Senado sem a cláusula que criava o sistema de cotas raciais para facilitar o acesso de negros a universidades, empresas e partidos políticos. A saída das cotas reduziu muito o efeito prático do estatuto. Mas seus efeitos simbólico e institucional ainda serão grandes.
A princípio, o estatuto pode ser uma contradição a uma cláusula pétrea da Constituição. Segundo ela, todos os brasileiros são iguais perante a lei. O estatuto subverte essa regra e cria brasileiros mais iguais que outros. O estatuto significa também que o Brasil pode estar adotando um modelo de lei que não só não deu certo como serviu de semente para processos tristes.
Nos Estados Unidos, as leis segregacionistas começaram a surgir em 1876. Os negros eram segregados em escolas, ônibus e até banheiros. Elas só acabaram em 1956. Na Alemanha, dois anos após a ascensão de Hitler ao poder em 1933 surgem as primeiras leis raciais de restrições aos judeus.
O processo culminou na máquina aniquilatória oficial do nazismo, que matou cerca de 6 milhões de pessoas e só terminou com a rendição alemã na Segunda Guerra Mundial, em 1945. Na África do Sul, o regime de segregação conhecido como apartheid começou em 1948. Dois anos depois uma lei tornou obrigatória a catalogação de cada criança nascida de acordo com sua raça. O apartheid acabou em 1990.
O estatuto tem a intenção de “corrigir” injustiças cometidas contra os negros ao longo da história do Brasil. Os EUA fizeram coisa parecida na década de 1970 e voltaram atrás anos depois.
O preconceito racial é uma anomalia enraizada na sociedade brasileira.
Ele produz incontáveis efeitos negativos. Mas, ao contrário de Estados Unidos, Alemanha e África do Sul, o Brasil nunca foi palco de ódio racial, conflitos, nem teve instituições oficiais racialistas. O estatuto coloca o Brasil na incômoda posição de criar, em 2010, uma lei semelhante àquelas que geraram injustiças históricas e foram abolidas no século passado. O que parece ser uma solução pode ser a semente capaz de gerar um problema.
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