Espólio da RFFSA ainda sem definição
13 Out 2011
Por André Borges
De Brasília
VALOR ECONÔMICO
No que depender do andamento das ações para liquidar os bens da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), as toneladas de vagões, trilhos e trens da estatal espalhadas pelo país ainda vão ter que enferrujar por muito tempo até que tenham uma destinação final.
No início deste ano, estava prevista a realização de uma série de leilões para liquidar milhares de equipamentos da Rede, a maior parte deles já transformada em sucata. Nada, porém, saiu do papel, conforme apurou o Valor.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), que responde pela gestão do patrimônio da RFFSA que não foi entregue às concessionárias, pretendia realizar um leilão para vender as 48 máquinas de locomotivas zero quilômetro que estão guardadas em um galpão em Campinas (SP). Agora, porém, o leilão das locomotivas não tem mais data para ocorrer porque, segundo a diretoria de Infraestrutura Ferroviária do Dnit, o material ainda precisa de "uma classificação e avaliação criteriosas", o que demanda mais tempo. "Por isso, não há previsão de prazo para a realização da venda desses equipamentos", informou o Dnit, em resposta ao Valor.
Em Minas Gerais, na cidade de Cruzeiro, o Dnit planejava a venda de 231 motores de locomotivas elétricas, todos na caixa, sem uso. Nada saiu do lugar até hoje, porque "os trâmites administrativos" não foram finalizados. "Em razão da complexidade do material, não há prazo definido para o leilão", informa a autarquia.
A paralisia também afeta a venda de aproximadamente 5 mil vagões que pertencem à RFFSA, material que no passado custou centenas de milhões de reais e que agora será vendido a preço de ferro velho. A previsão era de que o Dnit começasse a realizar os primeiros leilões neste ano, começando por Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Ficou nos planos. Até o momento, Minas Gerais transferiu à autarquia apenas 84 vagões. No Rio, foram só 12 vagões. Os leilões não aconteceram e, de acordo com o Dnit, não há mais previsão para isso.
Se tudo isso não bastasse, a única tentativa de leiloar 451 vagões como sucata em São Paulo acabou virando caso de polícia. Uma investigação conduzida pela Polícia Federal desde abril apurou a existência de um esquema para oferecer como sucata - portanto, a preço de ferro velho - equipamentos que teriam um valor de mercado muito maior. O caso foi parar na Controladoria-Geral da União (CGU), que há pouco mais de um mês recomendou ao ministro dos Transportes, Paulo Passos, que suspendesse todos os leilões de bens da extinta RFFSA.
O ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, recomendou ainda que a Corregedoria-Geral da União (CRG) e a Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) façam "a análise de situações eventualmente consumadas, concernentes à venda danosa de bens da extinta RFFSA".
A CRG já está de posse de cópia do inquérito da Polícia Federal sobre o assunto e deve abrir Processo Administrativo Disciplinar para apuração de responsabilidades. "A SFC aguarda a conclusão de inspeções que vêm sendo feitas (por determinação do ministro dos Transportes) pelo Dnit, ANTT e Inventariança da RFFSA, para avaliar a realização de uma auditoria", informou a CGU. Questionado sobre o assunto, o Dnit informou que o leilão de São Paulo está suspenso, sem previsão de data para ocorrer.
A estatal RFFSA deixou de operar há 15 anos, quando parte de seus bens e trilhos operacionais foram privatizados e passaram para as mãos das concessionárias de ferrovia. O processo de "inventariança" da companhia teve início em 2007, quando os bens que não migraram para as concessões foram fatiados entre diferentes órgãos do governo para serem liquidados. Quatro anos depois, não há previsão para que esse trabalho acabe.
Na Secretaria do Patrimônio da União (SPU), o esforço se concentra no desembaraço de nada menos que 52,7 mil imóveis que pertenciam à Rede Ferroviária Federal. Cerca de 40% desses imóveis foram ocupados por ex-funcionários da rede e muitos estão em situação totalmente irregular. Os demais 60% estão penhorados pela Justiça, o que impede que sejam vendidos. Paralelamente, a Advocacia-Geral da União (AGU) tem nas mãos cerca de 40 mil processos trabalhistas da RFFSA para negociar, um passivo complexo e difícil de calcular, mas que embute um risco potencial de pagamento de até R$ 20 bilhões.
Criada em 1957, a estatal chegou a ser a maior empresa pública do país, com 148 mil funcionários. A sucessão de episódios colabora para que a extinção da RFFSA se confirme como uma das histórias mais escandalosas de desperdício de dinheiro público do país.
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