Um Dia de Entrudo |
Escrito por Paulo Pacini | |
Qua, 22 de Fevereiro de 2012 07:42
| |
Em 1874, durante sua colaboração para o Jornal
das Famílias, Machado de Assis publica a história Um Dia de Entrudo, cuja
ação se passa na família de uma viúva com cindo filhos, a viúva Sanches, durante
o período então chamado de Entrudo.
Além de narrativa magistral, o conto adquire
valor inestimável pela descrição de hábitos e costumes da antiga sociedade
durante em uma de suas festas mais populares, considerada antecessora do
mundialmente famoso carnaval carioca.
Cena de entrudo em 1880, em desenho de Angelo Agostini
O entrudo, fenômeno genuinamente português, se
originou das festas "de Loucos" da Idade Média, populares em toda Europa, quando
por alguns dias a ordem era totalmente invertida, tudo permitido e ninguém
respeitado, fosse autoridade secular ou eclesiástica. Victor Hugo, a esse
respeito, nos fornece um retrato bastante verossímil do evento em seu romance
Notre Dame de Paris. A versão lusitana, contudo, adquiriu características
próprias, também praticadas com entusiasmo aqui no Brasil. O principal objetivo
dos foliões era molhar ou atingir os transeuntes, seja agarrando-os à força e os
jogando numa tina d'água ou despejando baldes, ou então com uma seringa
gigantesca de folha-de-flandres, usada como uma mangueira portátil. Nessa tarefa
todos auxiliavam, mesmo os escravos.
Além da água, outro artefato empregado era o
limão de cheiro, uma esfera feita de cêra, fabricada antecipadamente pelos
foliões, que era preenchida com água de cheiro e atirada nas pessoas. O limão,
que podia ser perigoso se acertasse um olho, tinha outro uso mais discreto e
preferido, como nos conta Machado: servia para molhar o peito das moças, nele
esmagado lentamente pelas mãos dos namorados, amorosamente e
interminávelmente...
Valia tudo para molhar os transeuntes...
O entrudo, contudo, não era exatamente uma festa
musical. Esse tipo de manifestação viria em 1852, quando José de Azevedo
Paredes, um sapateiro na rua São José, resolveu formar um grupo que, com
tambores e congêneres, percorria as ruas da cidade, logo conhecido como "Zé
Pereira". A idéia pegou, e logo havia uma infinidade daqueles zanzando pelo Rio
de Janeiro. Outro componente dos festejos, as fantasias, conhecidas desde a
época colonial, passaram a ter grande popularidade e diversificação desde o
primeiro baile de carnaval à fantasia, ocorrido em 1844 no Teatro São Januário,
na Praia D.Manuel na Misericórdia, por iniciativa da cantora Delamastro. As
primeira sociedades carnavalescas surgiriam oito anos depois, na mesma época do
Zé Pereira, e tinham nomes como Congresso das Sumidades Carnavalescas, União
Veneziana, Zuavos Carnavalescos e outros.
O carnaval moderno, como conhecemos, é o
resultado de uma evolução que iniciou há mais de cem anos e após a urbanização
da cidade, com os desfiles de carros das grandes sociedades e a conquista do
espaço público pelos blocos e sociedades carnavalescas. O entrudo foi perdendo
popularidade desde o final do século XIX, sendo os limões de cheiro abolidos em
1884. A festa foi substituía pela prática mais civilizada do carnaval, o que
também aconteceu simultaneamente com o desabrochar da música popular brasileira,
e sua influência recíproca teria o grande momento no início do século XX com a
criação do samba e sua adoção pelas sociedades carnavalescas.
Pandemônio na Rua do Ouvidor em 1884
Longe estão os dias de entrudo, quando os
festejos eram simplesmente uma grande pilhéria entre quase conhecidos pelas ruas
do Rio antigo. Seu espírito, contudo, permanece vivo no carnaval moderno, pois
celebrar a vida e brincar despreocupadamente continua sendo uma tendência
irresistível da natureza humana, e por isso mesmo uma de suas melhores
características.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário