O Poço do Porteiro |
Escrito por Paulo Pacini
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Qua, 28 de Março de 2012 13:35
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Um dos itens mais necessários à sobrevivência,
senão o principal, é sem dúvida a água, sem a qual a vida é totalmente
impossível. Como é sabido, pode-se ficar algum tempo sem comida, mas a falta
d’água leva à morte em poucos dias. Assim, uma das primeiras preocupações de
qualquer agrupamento humano, além de abrigo e proteção, é a obtenção do precioso
e vital líquido.
Foi o que aconteceu na colonização do Rio de
Janeiro, no distante século XVI. Após a vitória sobre os franceses, e a
construção no primeira povoação permanente, no alto do então chamado Morro do
Descanso, conhecido depois como do Castelo, os pioneiros se defrontaram com o
problema da água potável, que não era tão simples de resolver, como talvez
possamos imaginar.
Não é que não houvesse água — impossível, com a
grande precipitação de chuvas e o clima húmido, que todos que aqui moram
conhecem. Mas é que o que era de fácil acesso era impróprio para o consumo, como
o que ficava nas inúmeras lagoas e charcos, onde estagnação e calor favoreciam o
crescimento da vida animal, como mosquitos, transformando essa água em um algo
nocivo à saúde.
Restos do antigo Poço do Porteiro no Morro do Castelo, embaixo à direita. Ao fundo, a Igreja de São Sebastião.
Era preciso ir longe, até o rio Carioca, no
Flamengo, para encher os barris com água e leva-los de volta ao Castelo, e esse
vai e vem criou o primeiro acesso regular à zona Sul e suas terras, por um
caminho que seria depois conhecido como rua do Catete. A tarefa, feita por
escravos e aguadeiros, contou também com o auxílio de animais de carga, mas era
de qualquer forma extremamente penosa, ainda mais se levarmos em conta o
transporte até o alto do morro.
A iniciativa de um homem, contudo, amenizou esse
quadro. Nomeado em 1568 por Mem de Sá como porteiro da Câmara e pregoeiro da
cidade, ele tinha terras no Morro do Castelo para os lados da futura Chácara da
Floresta, trecho que ficava voltado para o interior, entre a atual Av. Almirante
Barroso e a Cinelândia. Tendo descoberto água no local, cavou profunda cisterna,
que recolhia o líquido, e, ao invés de guardá-la para si, permitiu seu acesso à
população, a qual lhe foi muito grata.
Segundo o historiador Noronha Santos, Mestre
Vasco — o nome do porteiro — procurava se livrar da reputação anterior de
degradado, fato agravado por um suposto processo criminal que sofrera ainda na
Vila Velha, aos pés do Morro Cara de Cão. Mestre Vasco se livrou do processo
pagando fiança, e, ao se criar a cidade definitiva no Castelo, resolveu se
emendar de um passado desfavorável.
De suas terras partia um dos três acessos ao
morro, terminando onde é a Cinelândia, perto da Biblioteca Nacional. Esse
sendeiro, depois transformado em ladeira, recebeu o nome de Caminho do Poço do
Porteiro, denominação que persistiu até 1739, ano em que passou a ser chamado
Ladeira do Seminário, após a inauguração do Seminário São José. Segundo consta,
a cisterna foi entupida com as obras do Seminário, perdendo sua função. Nessa
época, quase 170 anos após a abertura do poço, a cidade já contava com o
abastecimento feito pelas águas do rio Carioca através do aqueduto, com o
líquido sendo distribuído pelo chafariz do Largo da Carioca, além de outros
pontos.
Com a destruição do Morro do Castelo, tudo iria
desaparecer. O Seminário São José se foi durante a abertura da Av. Central (Rio
Branco), quando foi cortado um pedaço do morro. Nessa etapa, as ruínas do Poço
do Porteiro ainda permaneciam, no final da Ladeira do Seminário. Lá estiveram
até o arrasamento total em 1922, quando um dos maiores marcos da história da
cidade, o Castelo, passou a ser somente recordação.
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