Nireu Cavalcanti: uma história de paixão pela cidade
O arquiteto e pesquisador prepara mais um livro para ajudar a conhecer o Rio
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Nireu Cavalcanti é um apaixonado pela História do Rio e, consequentemente, um
apaixonado pela cidade.
— Sempre tive paixão pelo Centro da cidade — admite ele. — Somos
privilegiados por viver numa cidade que é a própria História do país, a história
da formação de um povo, da formação da brasilidade. Os baianos que me perdoem,
mas o Rio de Janeiro tem uma característica mais heterogênea do que a própria
Bahia, só pelo fato de ter sido capital do país desde 1763 até a segunda metade
do século XX, e por abrigar um porto altamente cosmopolita.
A ironia é que um professor tão ligado às raízes do Rio não é carioca.
Alagoano de Batatal, chegou aqui com 17 para 18 anos — está com 66 — para se
desenvolver como escultor, talento que trazia de Alagoas. Na dúvida entre cursar
a faculdade de Belas Artes ou a de Arquitetura, optou pela segunda. Não se
lembra de, na escola, ainda em Alagoas, ter se destacado nos estudos de
História.
— Eu não era bom em nada. Eu era escultor! — reage.
Mas foi justamente no curso para tornar-se arquiteto que passou a se
interessar pelo assunto, destacando-se nas aulas de História da Cidade, História
da Arquitetura, História de Estilos, História da Arquitetura Brasileira...
— Quando me formei, vários professores me convidaram para ser seu
auxiliar.
Ele especializou-se em Planejamento Urbano Regional e acabou fazendo
doutorado em História, quando elaborou uma tese que transformou-se em seu livro
mais famoso, “Rio de Janeiro Setecentista”, cujo conteúdo ele descreve como “a
vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da corte”.
Conhece-se melhor a História do Rio com os livros de Nireu Cavalcanti. Ele é
autor de “Santa Cruz”, volume da coleção “Cantos do Rio”, editada pela
Prefeitura, no qual, com pesquisa documental, narra a História do bairro e de
seus monumentos. Em “Crônicas — Histórias do Rio Colonial”, ele traz uma coleção
de artigos que escreveu para o “Jornal do Brasil” em que trata dos costumes
cariocas, com a leveza de um dos maiores cronistas da cidade, o autor de “O Rio
de Janeiro no tempo dos vice-reis”, Luís Edmundo (1878-1961). Ele rejeita a
comparação:
— Eu não gosto de coisa impostada. Luís Edmundo interpreta muito o documento.
Quem fez História Urbana foi Maurício Abreu — corrige ele, lembrando o geógrafo,
autor de “Evolução urbana do Rio de Janeiro”, que morreu no ano passado.
Nireu Cavalcanti espera lançar este ano mais um livro, “Conflito colonial”,
no qual aborda “pontos da História que não estão convencendo a mim”. O principal
deles é a versão consagrada de que a Corte portuguesa chegou aqui, em março de
1808, com 15 mil pessoas.
— Não eram nem 500 — contesta.
O historiador não aceita nem a versão de que, na conta tradicional, estava
incluída a tripulação dos navios.
— Mesmo assim. Com os tripulantes, não chegamos nem a oito mil pessoas. E é
preciso se levar em conta também que todos os navios, com suas tripulações,
voltaram para Portugal em agosto. Não foi mesmo um número significativo. Eles
não poderiam desarmar a administração de Portugal, nem o Exército. Esta versão
foi criada num livro de memórias de um soldado da Marinha inglesa, Thomas
O’Neil. Mas ele não viu nada. Apenas reproduziu o relato de um sargento
português.
Parte da paixão de Nireu Cavalcanti pela cidade passa por pontos que o Rio
nem possui mais.
— O Rio de Janeiro é a cidade de prefeitos que provocaram grandes perdas. A
mais significativa é a derrubada do Morro do Castelo. Temos uma história de
governantes muito desqualificados do ponto de vista da importância do patrimônio
da cidade. Em 1922, o prefeito Carlos Sampaio derrubou o começo da História do
Rio para comemorar os cem anos da Independência. Quando vou à área da Ladeira da
Misericórdia, que foi o que sobrou do morro, fico muito emocionado. Eu sei que
por aquele pedacinho de ladeira caminharam grandes figuras da História do
Brasil.
E o professor continua reclamando:
— Quando Dom João VI chegou ao Brasil, havia um projeto na Câmara dos
Vereadores para derrubar o morro. A justificava era a de que ele impedia a
circulação do ar. Já na época, provou-se que isso não era verdade. Mais de cem
anos depois, a mesma justificativa eliminou da cidade o seu ponto mais
marcante.
Desafiado a escolher um ponto importante do Rio que não seja caracterizado
pela perda, Nireu Cavalcanti não titubeia: o Passeio Público.
— Na Colônia, nossos governantes não podiam ter a sua representação em
espaços públicos. A cidade do Rio não tinha estátuas, nem monumentos. Era
despida. Isso só veio a ser rompido pelo vice-rei Luís de Vasconcelos
(1742-1809) na construção, em 1783, do Passeio Público.
A Corte não permitia que fossem realizadas na cidade obras de grande porte. O
Campo de Santana era um descampado. A Casa do Governador era modesta. Nenhum
prédio podia ser chamado de palácio e nem tinha características que
justificassem este nome.
Sem pedir dinheiro à Coroa — até por que, se pedisse, a Coroa não daria — o
vice-rei construiu nosso primeiro parque público e espalhou por ele os até então
inéditos estátuas e monumentos.
No apartamento de Laranjeiros, onde vive com a mulher, Regina (eles têm dois
filhos, o designer Tiago, de 36 anos, e a dentista e cineasta Andréa, de 34),
Nireu Cavalcanti se empolga com a história do Passeio Público:
— É a nossa primeira obra de caráter não utilitário.
E não tem medo de afirmar:
— O Luís de Vasconcelos foi o maior governante que nós já
tivemos.
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