Recuperação da Praça Tiradentes traz à tona discussão sobre mudança de perfil da área
Região, agora revitalizada, passa por período de transição
RIO - Do alto do seu cavalo de bronze, Dom Pedro I já viu acontecer de tudo
um pouco na Praça Tiradentes. Em 150 anos, passaram, diante da estátua, Bidu
Sayão criança; o maestro Carlos Gomes; os espetáculos do Teatro de Revista; os
encontros na tipografia de Paula de Brito, que reunia grandes nomes da
literatura brasileira, a começar por Machado de Assis; os últimos momentos de
Chiquinha Gonzaga e as filas para entrar na Estudantina nos anos 1980. O
monumento também testemunhou a praça mergulhar em decadência nas últimas
décadas. E o que será que os olhos do imperador verão nos próximos anos?
Recentemente revitalizada e sem os gradis que a separavam do povo, a Tiradentes
agora busca nova vocação, que também pode representar um retorno ao passado
glorioso. O empresário Armando José da Costa Dias, de 48 anos, diz que o
comércio está meio perdido, e a praça sem um perfil definido. Ele representa
nada menos que a terceira geração da família que comanda a sapataria Tic Tac, na
Tiradentes desde 1919.
— Estamos num período de transição — explica Armando diante da promessa de
novos investimentos para a praça, que incluem um cabaré voltado para o Teatro de
Revista e até um hotel cinco estrelas (o primeiro do Centro do Rio). — É preciso
que a circulação volte à praça. Perdemos gente com a retirada dos pontos de
ônibus. Mas isso pode ser compensado com a vinda de novos empresários.
O anúncio da ocupação de alguns edifícios históricos, hoje malconservados,
parece trazer ânimo para quem já aposta na praça há tempos. Isnard Manso,
presidente da associação Polo Novo Rio Antigo e fundador do Centro Cultural
Carioca, continua acreditando na área: há um ano, ele abriu o Gaspar, bar e
braseiro que hoje ajuda a movimentar a região também à noite. O negócio funciona
próximo ao Teatro João Caetano, num casarão de três andares que também abriga a
companhia de dança de Isnard.
— A praça está à espera de empresários mais audaciosos, que ajudem a mudar a
ocupação do local — afirma Isnard, que defende incentivos fiscais para atrair
novos empreendimentos.
Cabaré de R$ 1 milhão deve ser aberto em 2013
Ele é do time que acredita na velha praça — a dos teatros, cafés e
restaurantes, movimento que teve seu apogeu no século XIX. O empresário Plínio
Fróes, do Rio Scenarium, abrirá, no fim do ano que vem, um cabaré na Tiradentes,
voltado para o Teatro de Revista e com papel também de casa noturna. O negócio
abrangerá dois casarões interligados, que já tiveram suas fachadas recuperadas.
As obras, que incluem refazer toda a parte interna, praticamente em ruínas,
custarão R$ 1 milhão.
— Não vamos repetir nenhuma receita do que fizemos até hoje e vamos evocar o
passado da Praça Tiradentes. Para isso, nada melhor do que desenvolver a vocação
da praça no passado, que era dos cabarés e do Teatro de Revista.
O empresário ainda adquiriu um terceiro imóvel, que ele pretende usar para
eventos fechados. Mas o mais novo investimento anunciado é o da transformação do
Hotel Paris num cinco estrelas. Para repaginar o antigo ponto de prostituição,
os irmãos François-Xavier e Jacques Dussol gastarão R$ 10 milhões. Perto dali, o
Centro de Referência do Artesanato, do Sebrae, prepara-se para expandir sua área
para o Solar do Visconde do Rio Seco, a mais antiga construção da praça (do
final do século XVIII), tombada pelo Iphan, e há anos desocupada pelo estado.
Numa estimativa do Sebrae, que tem agora a concessão do endereço, serão gastos
R$ 50 milhões nas obras de recuperação, que começam no ano que vem e ficam
prontas para a Copa de 2014.
A vida noturna na Praça Tiradentes tende a ganhar novas opções e público, mas
a vontade da prefeitura é que a característica da área seja a mais diversa
possível. Animado com o projeto do Sebrae, o arquiteto Washington Fajardo,
presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, diz que o município
trabalha para que a noite não sejo o principal atrativo. Para ele, a recente
instalação de dois escritórios de design e um de advocacia contribui para essa
linha.
— A gente não pode deixar que a Praça Tiradentes reproduza o modelo da Lapa,
onde a setorização noturna traz muitos problemas de gestão urbana e afasta a
população fixa. A praça tem potencial de manter a diversidade de usos, de atrair
mais gente para morar, além de empresas e comércios — diz Fajardo.
Marcos Corrêa, diretor do Espaço Acústica — endereço que promove festas há
dois anos e que hoje realiza um debate, às 18h, sobre o futuro da Tiradentes e
da Lapa —, afirma que a área tem potencial para se unir à Rua do Lavradio e
atrair negócios no campo da cultura. Para ele, é preciso que a Tiradentes seja
ocupada, especialmente à noite:
— Hoje é impossível fazer qualquer coisa na Praça Tiradentes numa quarta —
diz Corrêa, que, aos poucos, vê os ambulantes invadirem a praça nas noites de
festa, na falta de estabelecimentos noturnos.
Uma coisa é certa: independentemente de quem chegue, o novo e o antigo serão
vizinhos. A começar pela Estudantina, cujo fantasma do despejo foi afastado com
o tombamento. A casa continuará mantendo a tradição das gafieiras na praça,
enquanto o João Caetano e o Carlos Gomes preservarão a dos teatros. Este último
passa por uma restauração, que custará R$1,7 milhão ao município. Segundo o
secretário municipal de Cultura, Emílio Kalil, o público ganhará a fachada de
volta, hoje ocupada pelos banners dos espetáculos:
— A fachada é totalmente descaraterizada a cada espetáculo. Isso não vai ser
mais possível. Vamos instalar um grande painel de LED, mais fino e adequado, que
possibilitará a leitura dos espetáculos.
Na última sexta, a Orquestra Tabajara se apresentou na praça. Na próxima,
haverá um baile com o Cordão da Bola Preta. Kalil conta que a mudança de dia foi
estratégica:
— No domingo, se faz sol, as pessoas não vão até o Centro. Sábado é mais de
programas em bares e restaurantes. Fazer o projeto no início da noite de sexta
cria uma agitação, um grande happy hour.
Assim como os espectadores dos teatros e os amantes da música, os jogadores
de sinuca ainda têm seu espaço na praça. O Bilhares Guanabara, por onde
circularam grandes jogadores, mantém sua tradição, só com um detalhe novo: o
almoço a quilo durante a semana, e a feijoada aos sábados. O aposentado Afonso
Thiago, de 74 anos, bate ponto no bilhar nas tardes de quinta, quando revê os
amigos .
— A praça não mudou nada, só tiraram as grades — comenta.
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