O Rio é uma ‘casa portuguesa’
Cidade abriga o maior contingente de imigrantes do País: são 510 mil, oriundos da metrópole europeia.
Livro mostra influência desses estrangeiros no comércio, na indústria, na luta contra preconceito racial e até na festa de Carnaval
POR MARIA LUISA BARROS
O DIA
Rio - Cariocas, mas de alma portuguesa, com certeza.
A chegada de 1,8 milhão de portugueses em cinco séculos de imigração marcou hábitos e costumes da sociedade e provocou profundas transformações no Brasil e principalmente no Rio de Janeiro, a primeira opção dos patrícios que desembarcavam nos portos brasileiros.
Atualmente, vivem no país 510 mil portugueses — 82 mil só no Estado do Rio.
É o maior grupo de imigrantes no País, seguido por japoneses e italianos.A saga dos lusitanos está contada no livro ‘De pai para filho — Imigrantes portugueses no Rio de Janeiro’ —, que será lançado quinta-feira, Dia Nacional de Portugal, no Palácio São Clemente, em Botafogo.
A publicação é a primeira de uma série sobre imigração, que terá ‘Árabes no Rio de Janeiro’ e ‘Judeus Cariocas’.
O livro custará R$ 85 nas livrarias.
A maior presença das comunidades portuguesas se deu no comércio e na indústria — de simples caixeiros viajantes a donos de grandes redes de supermercados.
Trouxeram os açougues, as padarias, as fábricas, os cafés que deram origem aos botequins e até o tradicional biscoito Globo.
Em 1856, havia cerca de 20 mil estabelecimentos comerciais no Rio.
Nesses, para cada três brasileiros, eram dois portugueses.
Esses abriram
negócios que atravessaram o século, como a Confeitaria Colombo, Casas Turuna, Angu do Gomes, Casa Cruz, Lidador e Casa Granado. Para um dos autores do livro, Silvio Roberto Rabaça, a herança carioca deve muito ao imigrante, que no imaginário popular virou figura caricata como o português da padaria.
“É um preconceito oriundo da colonização. O Rio é uma cidade portuguesa, mas os cariocas não avaliam a importância do imigrante português para o desenvolvimento do País”, reconhece Silvio Rabaça.
Os portugueses marcaram presença no esporte, com a fundação do Clube de Regatas Vasco da Gama, o primeiro a aceitar jogadores negros em seus quadros.
E foram protagonistas das mudanças no cenário cultural, com a publicação de jornais, revistas como ‘O Cruzeiro’, e criação de companhias teatrais e de programas de rádio com sua maior estrela, a portuguesa Carmen Miranda.
Irmandades e festas sacras
Uma das maiores contribuições portuguesas no Rio de Janeiro foi a criação das irmandades, confrarias e ordens terceiras, como as do Carmo e de São Francisco, que fundaram os primeiros hospitais na cidade, muito antes da criação dos institutos de previdência.
“Eles já pensavam longe e se uniam para poder se amparar”, explica Silvio Rabaça.
A Santa Casa, no Morro do Castelo, assistia órfãos, escravos, doentes mentais e presos.
Com o dinheiro de heranças, construíram igrejas e conventos de onde se surgiram as festas religiosas.
CURIOSIDADES
SAMBA DA MANGUEIRA
O nome da agremiação tem origem na primeira estação de trem da Central do Brasil em frente à fábrica de chapéus Mangueira, do português José Luiz Fernandes Braga.
O próprio Carnaval carioca tem em uma de suas origens o bloco português do Zé Pereira.
FAZER UMA VAQUINHA
A expressão nasceu na torcida vascaína, que patrocinava os jogadores, numa época em que o futebol era amador e os atletas não recebiam salário.
Em troca, os torcedores concorriam a prêmios associados aos números do jogo do bicho.
O maior valor — 25 mil réis — correspondia ao da vaca.
AS CALÇADAS DE COPA
As pedras portuguesas em forma de ondas no calçadão de Copa se tornaram um dos cartões-postais mais famosos do mundo.
O desenho ondulado criado em Lisboa, no século 19, e ampliado pelo paisagista Roberto Burle Marx é considerado o maior mosaico do mundo.
QUILOMBO LEBLOND
O português José de Seixas Magalhães era dono de uma chácara onde hoje é o Alto Leblon.
Lá ele cultivava camélias com a auxílio de escravos fugidos, a quem dava abrigo.
Um dos vizinhos era o francês Charles “Le Blond” (o loiro), cujo nome deu origem ao Leblon.
A camélia virou símbolo da campanha abolicionista e era usada na lapela de seus simpatizantes.
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