Beco dos Cachorros
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Escrito por Paulo Pacini | |
Qua, 01 de Fevereiro de 2012 10:38 | |
Um dos pontos altos do patrimônio histórico
carioca, seja por sua importância ou beleza, é sem dúvida o Mosteiro de São
Bento, no centro da cidade. Há mais de quatro séculos no alto de um pequeno
morro, continua dominando a paisagem local, ainda que esta seja prejudicada
pelos muitos prédios vizinhos de alto gabarito.
Os monges aqui chegaram em 1589, sendo abrigados
na ermida de N.Sª do Ó, onde fica o convento do Carmo, mas pouco depois mudaram
para casa própria ao receber como doação a sesmaria de Manuel de Brito, que
datava de 1573. No meio desta se encontrava um morro onde foi erguido o
mosteiro e a igreja. Para se ter uma idéia das dimensões das terras, pode-se
considerar um polígono cujos lados seriam toscamente a região do atual Primeiro
Distrito Naval (antigo Cais dos Mineiros) e todo Arsenal da Marinha,
estendendo-se até o Morro da Conceição à Prainha (Praça Mauá). Tudo incluído
nesses limites passou a pertencer ao Mosteiro, fato oficialmente reconhecido
pela Prefeitura do Distrito Federal em levantamento feito em 1906.
O Beco dos
Cachorros com a Candelária ao fundo, antes das reformas de
Passos
Apesar da grande extensão, nos séculos XVI e XVII
as terras ainda eram de difícil aproveitamento, e, com a chuvas, seu alagamento
transformava o morro em verdadeira ilha. No local onde seria a futura Rua dos
Pescadores (Visconde de Inhaúma) havia um rio que drenava parte das águas, mas
que, com chuva e maré alta, facilitava mais ainda as enchentes. Com paciência e
aplicação, contudo, os beneditinos paulatinamente conquistaram o terreno, sendo
o rio desviado para próximo de onde é a rua D. Gerardo, tornando o terreno mais
propício à implantação de uma grande horta, que forneceria os gêneros
alimentícios necessários.
Junto a um trecho desse grande terreno havia um
caminho que, saindo da rua dos Pescadores, dava acesso à Prainha, passando junto
ao Morro da Conceição, e recebendo, por esse motivo, o nome de Caminho da
Prainha. Com o crescimento e a conquista dos alagados, no século XVIII um trecho
dessa via recebeu nome menos anônimo, o de rua de Gaspar Gonçalves, morador
local. Décadas após, nova mudança, e a rua virou o Beco dos Cachorros. Embora
pareça pouco elegante, a alcunha popular tinha sua razão de ser: em um dos lados
da rua ficava a horta dos beneditinos que, além da cerca, era protegida por
vários cães contra os possíveis e prováveis ladrões de hortaliças.
Ainda nessa época o Mosteiro decidiu alugar uma
parte do terreno para a prática de uma das diversões mais populares do
setecentismo —fora a briga de galos — que era o Jogo da Bola. Na verdade, nada
tinha a ver com o futebol, que não tinha não havia sido inventado, e sim com a
Bocha. Havia outros terrenos para jogo de bola, mas esse era um dos mais
populares. Seria necessário o destino favorecer a cidade com a vinda da côrte
portuguesa anos depois para que as limitadas diversões da era colonial pudessem
ceder lugar a práticas mais interessantes e variadas.
A construção da Igreja de Santa Rita a partir de
1721 e sua elevação a matriz em 1751 transformou-a em ponto focal da área, o que
fez com que o beco mudasse mais uma vez em 1852, para Travessa de Santa Rita, o
que, bem ou mal, tinha uma relação com o local. Mas como o nome das ruas é mais
uma das moedas das quais os políticos freqüentemente fazem uso, tal não
perdurou, mudando a seguir para Alcântara Machado, alguém que, por mais ilustre
que possa ter sido, não tem patavina a ver com a rua e sua história. Mais um
desrespeito amputando um vínculo com fatos e personagens do passado que, com
seus esforços, sucessos e fracassos construíram essa grande cidade.
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