Entre Céu e Mar |
Escrito por Paulo Pacini | |
Qua, 15 de Fevereiro de 2012 09:22 | |
Quase todos os movimentos de grande transformação
social, merecedores do nome revolução ou não — muitos golpistas e ditadores
gostam de usar a expressão para enobrecer e legitimar suas iniciativas escusas —
são feitos por indivíduos em grande parte idealistas e com intenções sinceras de
transformar a sociedade para melhor. Assim aconteceu com nossa República, um
golpe sem apoio popular levado adiante por militares que desejavam imprimir um
modelo de desenvolvimento baseado nos princípios da filosofia positivista de
Augusto Comte.
Entre os associados incluíam-se fazendeiros
descontentes com o fim da escravidão e muitos intelectuais, alguns de
confeitaria, que liam com avidez livros e jornais que chegavam de Paris nos
paquetes, procurando se alinhar com as posições dominantes no mundo francês das
idéias. Aguardando sua vez, porém, estavam os eternos espertalhões, que, em seu
fisiologismo reptiliano, viam o acesso ao poder como a abertura de amplas
oportunidades de enriquecimento, jamais imaginadas.
Não tardaram em colocar mãos à obra: a partir de
1890, sua ação fez o país ingressar em um período conhecido na história como
Encilhamento, quando o governo emitia concessões para todo tipo de
empreitada, com as quais muitos enriqueceram. Nessa época, ter algum
conhecimento podia tirar rapidamente da miséria um indivíduo ousado e sem
princípios. Por exemplo, o protegido de algum ministro recebia de mão beijada a
concessão para exploração de uma mina de prata em Goiás, a qual ele nunca veria,
pois não tinha recursos nem para a viagem até lá. Só restava vender com
profundo pesar a concessão para uma grande empresa, e se consolar com as
centenas de contos ganhos sem fazer absolutamente nada...
A recém-inaugurada Av. Niemeyer, originalmente destinada a uma ferrovia
Uma das empresas concessionárias de então foi a
Companhia Viação Férrea Sapucaí, que pretendia construir uma ferrovia indo de
Botafogo até Angra dos Reis, em uma distância de 193 quilômetros. Ao contrário
da maioria das iniciativas do encilhamento, havia realmente a intenção de
materializar o projeto, e, a partir de 1891, começaram os trabalhos. Conforme
nos relata Charles Dunlop, já havia sido aberta a boa parte da estrada quando
surgiu um conflito com a Cia. de Melhoramentos da Lagoa, que considerava que a
linha férrea prejudicaria seus trabalhos. Como era esperado, a empresa não
dispunha de capital, e as despesas adicionais implicadas na mudança do trajeto
da linha tornaram impossível o prosseguimento da empreitada. Com isso, a obra
foi abandonada.
Anos depois, em 1913, uniram-se os vários trechos
abertos para a ferrovia na encosta do morro do Vidigal, uma iniciativa do
diretor do Ginásio Anglo-Brasileiro para melhorar o acesso à sua unidade
escolar, o que incluiu o prolongamento da estrada até o Leblon. Logo a seguir, o
comendador Niemeyer, proprietário de terras no local, estendeu a estrada até a
Praia da Gávea (São Conrado), e esta foi inaugurada em 1916. Logo a seguir, a
via seria alargada até a configuração atual, e o nome Niemeyer é uma lembrança
do comendador que legou à cidade esta que é uma de suas mais belas estradas,
onde se contempla um panorama inesquecível.
É difícil imaginarmos hoje, quando a avenida é
percorrida por um tráfego intenso de automóveis, ocasionado pela inexistência
de um sistema de transporte de massa ligando a Barra da Tijuca ao resto da
cidade, que esse antigo caminho, aberto entre céu, mar e montanhas destinava-se
a uma ferrovia litorânea, do Rio até Angra. A situação especulativa durante o
encilhamento, contudo, que mudou o destino da via, felizmente não impediu que
essa acabasse sendo incorporada à vida da cidade.
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