O Senado e sua Rua |
Escrito por Paulo Pacini | |
Qua, 14 de Dezembro de 2011 12:04
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Excluindo-se a área central do antigo Rio de Janeiro, situada entre o mar e
os quatro morros mais próximos — Castelo, Santo Antônio, São Bento e Conceição
— e tendo como limite, pelo menos por um bom tempo, a Vala, canal de escoamento
situado onde é a rua Uruguaiana, pouco se explorou do território que conhecemos
atualmente. Pântanos, alagados e outros terrenos igualmente difíceis restringiam
a ocupação, que só deslanchou a partir de meados do século XVIII, com
continuadas obras de drenagem. Nesse mesmo século, em locais mais afastados, ainda se encontravam grandes propriedades, chácaras enormes, cuja área valeria uma fortuna hoje em dia. Uma das maiores, senão a maior, pertenceu ao guarda-mor das minas Dr. Pedro Dias Paes Leme, sendo formada pela compra de dois terrenos, um indo da encosta do Morro de Santo Antônio até a rua do Lavradio, e outro desta até a lagoa da Sentinela, já extinta e situada no encontro das atuais ruas Frei Caneca, Santana e Mem de Sá, conforme relata o historiador Vieira Fazenda. Incluído na área estava um morro, chamado inicialmente de Pedro Dias, nome do dono das terras, e depois morro do Senado. O cume desta elevação situava-se onde é hoje a praça Cruz Vermelha, com mais de 50 metros de altura. Bonde de burros perto da cocheira Recreio, na Rua do Senado do século XIX O Senado da Câmara, é oportuno salientar, era na verdade um órgão local, equivalente à Câmara de Vereadores. O título de Senado foi concedido pelo rei de Portugal por especial deferência, mas não se relaciona com o Senado do Império, cuja sede ficava no Campo de Santana, onde é hoje a Faculdade de Direito da UFRJ, antiga casa do Conde dos Arcos. A insistência do Senado pela abertura deu nome à rua, assim como ao morro limítrofe, conforme foi dito. A nova progressivamente adquiriu extensão, e na época de D. João VI já ia um pouco além da rua dos Inválidos. A drenagem final da lagoa da Sentinela, em meados do século XIX, possibilitou o nascimento de outro trecho, indo do local da lagoa em direção à parte já existente, que saía da rua do Espírito Santo. Os dois segmentos, contudo, ainda estavam separados pelo Morro do Senado, que só começou a ser desmontado em 1880. Só então pôde ser concluída a Rua do Senado em sua totalidade, como nos é conhecida. Era uma rua como as de antigamente, onde não havia zoneamento que impedisse comércio ou moradia, fazendo parte de uma região populosa e de intensa atividade. Ficou conhecida por abrigar cocheiras e empresas de aluguel de veículos de tração animal, como as famosas carruagens da empresa S. Mendes & C, ainda bastante procuradas até a primeira década do século XX. O local tem hoje lojas várias, muitas delas dedicando-se à venda de antiguidades, além de utensílios, ferramentas, alimentação, prestação de serviços e outros. Sobre essa área pitoresca, contudo, paira a ameaça da especulação imobiliária, exemplificada pela construção de um prédio monstruoso na esquina das ruas dos Inválidos e Senado, em terreno que foi e deveria continuar a ser do metrô, para construção da linha 2. A obra ameaçou até mesmo fisicamente os imóveis, provocando rachaduras e prejuízos, sendo interditada pela justiça durante o ano de 2010. Uma construção desse tipo, que jamais poderia ter sido autorizada nesse endereço, além disso, ignorou as condições do terreno, que, como mostra a história, era formado por trechos alagados posteriormente aterrados. Esperemos que fatos como esse não se repitam, e que locais históricos e pitorescos como essa rua possam continuar sua existência pelos tempos afora, sem as ameaças dos abutres do lucro fácil. |
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