Uma Pedra no Caminho |
Escrito por Paulo Pacini | |
Qua, 21 de Dezembro de 2011 09:53 | |
É fato relativamente conhecido que Copacabana só
começou a se desenvolver no final do século XIX, quando começou o loteamento e
serviços básicos foram implantados, dentre eles a linha de bondes da Companhia
Ferro-Carril do Jardim Botânico, que chegou em 1892, após a abertura do Túnel
Velho.
Os novos moradores pouco souberam da história
anterior do novo bairro, desde quando era um rincão abandonado, habitado por
alguns pescadores, de modo geral inviável pela distância e obstáculos
geográficos que o separavam do que é hoje a zona sul e o resto da cidade.
Durante o século XVIII o local foi literalmente colocado no mapa, pois, após as
invasões francesas de 1710 e 1711, a coroa portuguesa procurou fortalecer as
defesas e, temendo ser vítima de outro ataque, construiu postos militares em
pontos remotos, com alta probabilidade de desembarque inimigo.
Copacabana no século XIX, com o Inhangá separando a praia em duas metades
Nessa época, o grande areal era ocupado por
algumas fazendas, as quais se dedicavam ao cultivo de abacaxis, que segiam em
lombo de mula até Botafogo, de onde eram transportados por canoas até a praia
pelo rio Berquó, hoje subterrâneo, e daí embarcados até o centro do Rio. Os
militares instalaram vários postos, como o da Vigia do Leme, onde fica o atual
forte, e uma antiga fortificação, cujos arcos permanecem no alto da Ladeira do
Leme. Além das obras de maior porte, foram colocadas baterias em alguns pontos
da praia, e dentre essas uma no Inhangá.
A formação rochosa do Inhangá era a principal
referência desse litoral, pois ficava quase em seu ponto médio, separando a
costa em dois trechos: à sua esquerda, de quem olha para o mar, a praia da Vigia
do Leme, e à direita a praia de Copacabana. A divisão Copacabana/Leme não tinha
como referência a Av. Princesa Isabel, obra feita quase dois séculos após, e sim
esse acidente geográfico.
A Pedra do Inhangá na praia, século XIX. Ao fundo, a Igrejinha de Copacabana
O Inhangá, ponto pitoresco e conhecido, iria
desaparecer por partes, até a quase invisibilidade atual. O trecho junto ao mar
seria demolido a partir de 1905, quando foi iniciada a abertura da Av.
Atlântica, que inicialmente só tinha seis metros de largura. A pedra estava no
caminho da nova via projetada, e com sua remoção a faixa litorânea realizou seu
primeiro avanço em direção ao mar. Nos anos 20, foi demolido mais um pedaço do
morro, para unir os dois segmentos da Av. N.Sª de Copacabana, que este separava.
Após a construção do Hotel Copacabana Palace, mais uma parte cederia lugar à
piscina do hotel, em 1935. O resto foi embora nos anos 50, com a construção de
prédios, e o que resta hoje, escondido atrás das fachadas, pode ser visto em uma
visita ao Colégio Estadual Pedro Álvares Cabral, na rua República do Peru. A
consciência de sua localização facilita a compreensão das transformações
ocorridas e documentadas em fotografias há mais de cem anos.
Copacabana pertence essencialmente ao século XX,
e sua urbanização atendeu às necessidades da época. A implantação precoce de
serviços essenciais garantiu o sucesso da empreitada imobiliária, fazendo com
que o bairro litorâneo incorporasse toda uma nova região. Hoje em dia, contudo,
tornou-se necessário pensar em sua evolução e em projetos que melhorem a
qualidade de vida dos habitantes. Obras favoráveis ao pedestre, reduzindo as
ameaças à segurança e bem estar representadas pelo trânsito pesado e seus
veículos estariam em linha com iniciativas similares empreendidas em países
desenvolvidos.
Em 1965, o urbanista Doxiadis apresentou um plano
para a renovação do Rio de Janeiro, encomendado pelo governo Carlos Lacerda.
Incluída estava sua visão para Copacabana, onde era proposta uma separação entre
pedestres e automóveis, transferindo as lojas e serviços instalados ao nível da
rua para o primeiro andar dos prédios, e construindo um piso unindo o novo
nível, o qual só seria acessível aos pedestres. Como era de se esperar, o
projeto não seguiu adiante, haja visto seu grande impacto . Mas o que sobressai
é que, há 50 anos atrás, um especialista de grande calibre colocou como
prioridade a separação de pessoas e o caos e perigo do trânsito, um dos
principais fatores de degradação da vida cotidiana. Tal intenção pode ser
materializar de várias formas, através, por exemplo, da prioridade ao transporte
coletivo e restrições à circulação de veículos, ou outro modo
alternativo.
Proposta de Doxiadis para Copacabana em 1965: separação entre veículos e pedestres
A reumanização dos espaços públicos, colocando
como objetivo central o pedestre, é a tendência das melhores e mais avançadas
propostas urbanísticas do século XXI. Após mais de cem anos de deformação do
espaço físico das cidades para servir ao automóvel, abre-se uma nova era em que
ser humano e meio-ambiente são colocados em primeiro plano, de onde nunca
deveriam ter saído, aliás, e uma adaptação ao novo paradigma faz parte do
processo.
A pedra atual a ser removida hoje, contudo, é a
falta de vontade política, que usualmente posterga à eternidade quaisquer
iniciativas que não revertam em ganho político. A conscientização e a cobrança
por parte das comunidades é o único antídoto conhecido para esse mal
crônico.
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