Arqueólogos acham canhões de pelo menos 400 anos na Zona Portuária
Equipe localiza dois exemplares que podem ser os mais antigos do país
RIO - Uma equipe de arqueólogos do Museu Nacional descobriu na segunda-feira,
na Zona Portuária, dois canhões que podem ser os mais antigos do Brasil. Os
trabalhos, coordenados pela professora Tânia Andrade Lima, fazem parte do
monitoramento arqueológico realizado no decorrer do projeto Porto Maravilha, de
revitalização da Zona Portuária.
Os dois canhões, em princípio, são ingleses e do século 17. De acordo com
Tânia, há a possibilidade, porém, de serem do século 16:
— Isso os tornaria, talvez, os mais antigos do Brasil. Com certeza são os
mais antigos do Rio. Estávamos escavando os trapiches do século 19 que existem
ao longo da Rua Sacadura Cabral e, inesperadamente, surgiram essas peças. Os
equipamentos faziam parte de uma bateria de canhões que ficava ao longo da
praia, no pé do Morro da Conceição.
Os armamentos teriam servido para defender as terras cariocas de invasões.
Era, segundo a arqueóloga, parte de um sistema de defesa que funcionava ao longo
da costa. Agora, os profissionais do Museu Nacional vão começar as análises
técnicas para detalhar a história dos objetos.
A equipe é a mesma que, desde março de 2011, pesquisa o material arqueológico
encontrado no Cais do Valongo, ali perto, ao longo da Avenida Barão de Tefé. Os
pesquisadores já conseguiram retirar objetos que permitem remontar como era o
cotidiano dos escravos que chegavam da África, como mera mercadoria, na primeira
metade do século 19. Os materiais resgatados do solo mostram, sobretudo, como os
negros tentavam proteger seus corpos diante do tratamento imposto por
portugueses e ciganos especializados na compra e venda de escravos.
Depois das escavações, deve ser erguido no local um memorial da diáspora
africana.
Peças de dominó, moedas e cristais no Cais do Valongo
A arqueóloga Tânia Andrade Lima, que coordena a escavação no Cais do Valongo,
explica por que os objetos dos escravos são tão importantes.
— Os negros não puderam depor sobre seu sofrimento, desespero, angústia,
trajetória e jogo de cintura para sobreviver aqui. Mas aqui temos um discurso
silencioso. Largaram essas coisas para trás, no chão. Por meio desses materiais,
estão falando acerca deles mesmos para nós e seus descendentes. É a herança que
deixaram — conta a arqueóloga.
A Rua do Valongo, atual Camerino, era o endereço das lojas de venda de
escravos, descritas por viajantes como dantescas. Antes de serem postos à venda,
os africanos eram separados. Os que chegavam de viagem com graves problemas de
saúde iam, sem misericórdia, diretamente para o Cemitério dos Pretos Novos. Os
doentes tratáveis eram levados para o Lazaredo, local onde eram curados e
engordados para futura venda. Tudo funcionava como um grande complexo.
— A realeza se fez suficientemente lembrada e escreveu sobre si mesma. Já os
negros do Valongo foram cuidadosamente tapados por toneladas de terra,
precisamente em cima, para Teresa Cristina Maria de Bourbon chegar e se casar
com Dom Pedro II na década de 1840. O Cais da Imperatriz foi feito sobre o
Valongo porque aquela área era uma vergonha — explica Tânia.
Detalhes de como era a vida no porto há 200 anos
O jogo era proibido na primeira metade do século 19. Mesmo assim, escravos e
pessoas que frequentavam a região apostavam freneticamente. A Zona Portuária já
era conhecida por ser um local do "tudo pode". Os dados e peças de dominó
achados nas escavações representam a transgressão possível às leis daquela
época. Foram encontradas várias peças de dominó. A parte de baixo era feita com
osso de boi e ficava presa com uma espécie de prego à madeira gravada com os
números do jogo. Impressiona a qualidade e o padrão do material, produzido com
poucos recursos, mas que garantia um mínimo de distração e diversão a quem não
tinha direito à liberdade.
As moedas de cobre encontradas pela equipe do Museu Nacional eram de
baixíssimo valor na época. Várias estão perfuradas no meio porque os escravos as
usavam como talismãs. Para eles, o cobre era coberto de simbolismo, entendido
como um metal sagrado que protegia o corpo. Também foram achados cristais de
quartzo que, segundo a crença dos escravos, serviam para refletir o "mal".
— Eles tentavam se proteger desesperadamente de todas as formas. Achamos
muito material para a proteção do corpo, que era violado e brutalizado — diz
Tânia.
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