Museu Real
|
Escrito por Paulo Pacini | |
Qua, 25 de Janeiro de 2012 10:59
| |
A exuberância da natureza brasileira sempre
causou profundo efeito em quem entra em contato com suas cenas grandiosas, mesmo
que para muitos que moram em cidades isso só aconteça em viagens. O verde, as
árvores, o céu azul, exercem efeito revigorante na alma, possibilitando uma
pausa saudável ao cinza e à vida confusa dos centros urbanos com seus
engarrafamentos, poluição e violência.
Se isso acontece hoje, quando a quase totalidade
da mata atlântica já desapareceu, e os predadores avançam firmemente na
destruição completa da Amazônia, muitas vezes com apoio governamental, imaginem
o que foi há trezentos anos, com quase tudo intocado e com limites que pareciam
englobar a terra toda. À fascinação do primeiro momento, com a qual se
negociava, seguia-se uma coexistência, na qual o cenário integrava-se
inconscientemente, vindo para primeiro plano inevitáveis questões práticas e de
interesse utilitário.
O encanto da paisagem natural, contudo, nunca
deixou de comover o vice-rei Luís de Vasconcellos, que, estando em posição de
poder, sentiu-se compelido a algo fazer a respeito. A racionalização de sua
admiração materializou-se em projeto bastante palpável de história natural:
criar um local que abrigasse coleções de animais típicos da terra, para
incentivar o estudo da ornitologia. Acreditava que o conhecimento da natureza
local favorecesse uma melhor exploração dos recursos da colônia, pelo menos foi
essa a justificativa para a despesa. Para tal foi construído um prédio no Campo
da Lampadosa, área pouco ocupada perto da futura Praça Tiradentes, ainda com
vários alagados. O prédio, logo chamado de Casa dos Pássaros, ficava em frente à
atual Av. Passos, onde está hoje um terreno baldio transformado em
estacionamento.
Museu Nacional, ex-Real, no Campo de Santana (gravura de Bertichem -1856)
Os encarregados tinham como missão aumentar a
coleção com a caça de novos espécimes, sendo que muitos foram fácilmente obtidos
abatendo-se aves que ficavam na lagoa da Pavuna, onde é o Largo de São
Francisco. Com o tempo, reuniu-se acervo razoável, com centenas de exemplares. A
Casa dos Pássaros, contudo, como tantos outros imóveis, foi desalojada com a
chegada da côrte portuguesa em 1808. Suas coleções foram guardadas e o prédio
utilizado como oficina de lapidação.
Sómente em 1818 as peças veriam a luz de novo,
pois, de acordo com a iniciativa do ministro Tomás Antônio de Vila Nova
Portugal, foram adquiridos os imóveis de João Rodrigues de Pereira de Almeida,
no Campo de Santana, para a instalação do Museu Real. A nova casa dedicada à
história natural passou a incluir coleções de minerais, além da parte zoológica.
Com a Independência, a instituição foi prestigiada, pois José Bonifácio, ele
mesmo mineralogista, lhe dedicou especial atenção. Foi estimulada a colaboração
de estrangeiros como Langsdorff e Saint-Hilaire que, em suas viagens
exploratórias, enviaram novos exemplares. Um fato curioso deu-se em 1822, quando
o manto imperial de D.Pedro I foi feito com as penas dos tucanos do museu, que
teve sua coleção assim desfalcada.
O prédio também abrigou duas instituições
significativas histórica e culturalmente, a Sociedade Auxiliadora da Indústria
Nacional, fundada em 1828, e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de
1838. Com D.Pedro II, ampliaram-se as áreas de estudo, sendo incluídos os
campos de anatomia comparada, agricultura, artes mecânicas, numismática, dentre
outros. Para o sempre crescente acervo a falta de espaço era uma constante, e,
com o fim do Império, decidiu-se transferir o museu para a Quinta da Boa Vista
em 1892, onde permanece até hoje.
Em 1907 mudou-se para o prédio o Arquivo
Nacional, lá ficando até 1985, quando foi para a antiga Casa da Moeda, do outro
lado da praça, reformada há poucos anos e uma das mais belas construções do
local. O antigo museu está em restauração sob supervisão do Iphan, uma
iniciativa elogiável que resgata mais uma peça valiosa daquele que é um dos mais
belos conjuntos arquitetônicos históricos do Rio de Janeiro, situado no entorno
do Campo de Santana.
|